Estrutura Viral, Classificação e Origem

Christiane Lourenço Nogueira (Theraphage Inc. / University of Waterloo)

27/05/2020

Os coronavírus são vírus pleomórficos e envelopados, sendo seu material genético constituído por uma fita simples de RNA com 26 a 32 kilobases, possuindo, desta forma, o maior genoma dentre os vírus de RNA. O seu genoma codifica quatro principais proteínas estruturais: Spike (S), Membrana (M), Envelope (E) e Nucleocapsídeo (N) (Figura 1)\(^{1,2}\).

As proteínas Spike possuem forma de espículas, as quais saem do envelope viral, conferindo ao vírus um formato de coroa solar, por isso a denominação coronavírus\(^{3}\). A proteína Spike é fundamental no processo de infecção. De forma geral, esta proteína liga-se a receptores celulares nas células dos hospedeiros, permitindo a entrada do vírus nestas células. Uma vez dentro das células, os vírus replicam-se e geram novas partículas virais, as quais vão infectar outras células do hospedeiro, e assim sucessivamente. Além disso, a proteína Spike é o principal componente antigênico capaz de induzir respostas imunes no hospedeiro. Desta forma, esta proteína é fundamental tanto no processo de infecção viral quanto na patogênese, sendo, por esta razão, um importante alvo para tratamentos e vacinas contra os coronavírus.

**Figura 1.** Estrutura geral dos coronavírus (adaptado de Seah et al., 2020$^{4}$).

Figura 1. Estrutura geral dos coronavírus (adaptado de Seah et al., 2020\(^{4}\)).

Os coronavírus pertencem ao Reino Riboviria, à ordem Nidovirales e à família Coronaviridae, a qual é constituída de duas subfamílias, a Orthocoronavirinae e a Letovirinae. Esta última é subdividida em diferentes gêneros, incluindo Alpha-, Beta-, Gamma- e Delta-coronavírus. O gênero Beta-coronavírus, por sua vez, é dividido em quatro linhagens (A, B, C and D)\(^{5}\).

De modo geral, os Gamma- e Delta-coronavírus infectam aves e roedores, enquanto a maioria dos Alfa- e Beta-coronavírus infectam diferentes espécies de mamíferos, incluindo morcegos, gatos, cachorros, porcos, cavalos, baleias e o homem\(^{6,7}\). A grande maioria destes hospedeiros pode desenvolver doenças respiratórias, entéricas, hepáticas ou neurológicas, com diferentes graus de severidade\(^{3}\). Em alguns mamíferos e aves, os coronavírus causam doenças letais com alto impacto na indústria agropecuária, incluindo o vírus da bronquite infecciosa aviária (IBV – do inglês Infectious Bronchitis Virus), vírus da gastroenterite transmissível (TGEV – Transmissible Gastroenteritis Virus), vírus da diarréia epidêmica suína (PEDV – Porcine Epidemic Diarrhea Virus) e o vírus da síndrome da diarréia aguda suína (SADS-CoV – Swine Acute Diarrhea Syndrome Coronavirus)\(^{8,9,10}\). Estima-se que o PEDV levou à redução de 3,21% no plantel suíno nos EUA entre setembro de 2012 e agosto de 2014, enquanto o IBV causou uma perda de cerca de 1.000 dólares a cada mil aves em fazendas no Brasil\(^{11,12}\). No homem, os coronavírus causam principalmente doenças no trato respiratório superior, com sintomas semelhantes a um resfriado comum, e no trato respiratório inferior, levando a quadros de bronquite, pneumonia e síndrome respiratória aguda grave\(^{13}\). Os sete coronavírus conhecidos até o momento como patogênicos ao homem, e as doenças que eles causam, estão descritos na Figura 2.

**Figura 2.** Coronavirus patogênicos ao homem e suas respectivas doenças.

Figura 2. Coronavirus patogênicos ao homem e suas respectivas doenças.

Estudos filogenéticos têm indicado que a grande maioria dos Alfa- e Beta-coronavírus que causam doenças no homem apresentam os morcegos ou os roedores como ancestral comum, os quais são importantes reservatórios naturais desses vírus e não apresentam manifestação clínica de doença\(^{7,10,14,15}\). Alguns coronavírus cruzaram a barreira entre espécies animais-homem e progrediram para estabelecer doenças zoonóticas em humanos. Neste processo, outros animais podem atuar como hospedeiros intermediários e reservatórios de vírus\(^{3}\), como mostra a Figura 3.

**Figura 3.** Prováveis reservatórios naturais e hospedeiros intermediários dos sete Alfa- e Beta-coronavírus conhecidos até o momento como patogênicos ao homem. Dromedários, animais bovinos e civetas são, provavelmente, hospedeiros intermediários de coronavírus (adapatado de Corman et al., 2018$^{7}$).

Figura 3. Prováveis reservatórios naturais e hospedeiros intermediários dos sete Alfa- e Beta-coronavírus conhecidos até o momento como patogênicos ao homem. Dromedários, animais bovinos e civetas são, provavelmente, hospedeiros intermediários de coronavírus (adapatado de Corman et al., 2018\(^{7}\)).

Com o advento da tecnologia de sequenciamento de próxima geração (nova abordagem de sequenciamento em larga escala) e o aumento da vigilância de espécies de animais selvagens, mais de 200 novos coronavírus foram identificados em morcegos, e aproximadamente 35% do viroma de morcego sequenciado até o momento é composto por coronavírus\(^{16}\). Além disso, morcegos constituem cerca de um quarto da diversidade de mamíferos e habitam todos os continentes, exceto o Antártico\(^{10}\). Considerando que as três pandemias (SARS, MERS e COVID-19) causadas por coronavírus apresentam o morcego como reservatório natural, e que neste animal já foram identificados diversos tipos de coronavírus, os morcegos representam uma importante fonte para que novos coronavírus possam causar futuras doenças infecciosas no homem.

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